sábado, 23 de julho de 2005

O Mar Sabe

Banda Sonora Aconselhada: as ondas


OS ENIGMAS

Perguntastes-me o que fia o crustáceo entre suas patas de ouro
e eu respondo-vos: O mar sabe.
Dizeis-me o que espera a ascídia no seu sino transparente? O que espera?
Eu digo-vos: como vós, espera o tempo.
Perguntais-me o que alcança o braço da alga Macrocustis?
Indagai-o, indagai-o a certa hora, em certo mar que eu sei.
Sem dúvida me perguntareis pelo marfim maldito do narval, para que vos responda
de que modo o unicórnio marinho agoniza arpoado.
Perguntai-me talvez pelas plumas alcionárias que tremem
nas puras origens da maré austral?
E sobre a construcção cristalina do pólipo baralhastes, sem dúvida,
uma pergunta mais, desfiando-a agora?
Quereis conhecer a matéria eléctrica das puas do fundo?
A armada estalactite que caminha a quebrar-se?
O anzol do peixe pescador, a música estendida
na profundidade, como um fio na água?

Quero dizer-vos que tudo isto sabe o mar, que a vida nas suas arcas
é vasta como a areia, inumerável e pura
e entre as uvas sanguinárias o tempo poliu
a dureza de uma pétala, a luz da medusa
e debulhou o ramo das suas fibras corais
numa cornucópia de nácar infinito.

Não sou senão a rede vazia que adianta
olhos humanos, mortos naquelas trevas,
dedos acostumados ao triângulo, medidas
de um tímido hemisfério de laranja.

Andei como vós, escarvando
a estrela interminável,
e na minha rede, na noite, acordei nu,
única presa, peixe preso no vento.


Pablo Neruda

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